"Falar da obra “Estrelas que voam para os céus” é, antes de mais, fazer uma viagem introspectiva pelos insondáveis caminhos da espiritualidade e da fé.
São páginas carregadas pelo nebuloso véu da tristeza, do choro e da solidão; são páginas imersas pela frialdade do desassossego e da raiva; são páginas onde a culpa, a ansiedade e um indescritível entorpecimento avassalam os sentidos, como uma onda provinda de um imenso oceano de dor, a quebrar no sequioso areal da saudade.
Há, no entanto, um rasto de luz, maior do que todas as luzes, a iluminar as palavras que os nossos olhos, ainda que turvados pela comoção e pelas lágrimas, desejam ler de um só fôlego. Pode dizer-se que esse fulgor, tão cheio de cintilância, se assemelha a um retalho de céu, coalhado pelo esplendor das estrelas mais lindas. São estrelas que, ao virar de cada página, deixam, misteriosamente, nos nossos corações, uma qualquer oração concebida pela magia que só os anjos possuem.
A finitude da vida terrena encontra, no ilimitado espaço sideral, uma eternidade divinizada pelo amor daqueles que viram os filhos partir, rumo a essa jornada que a todos nos aguarda.
Embora dependendo do contexto sociocultural, é ponto comummente aceite que a religião pode influenciar o sentido da vida e da morte. Através da devoção em Deus, inúmeros pais desenvolveram uma espiritualidade superior, muitas vezes, distinta das crenças e dos ritos, secularmente instituídos pela religiosidade.
A fé é, aqui, uma força organizadora, capaz de emprestar sentido à existência humana, não só a estes pais, mas aos leitores desta obra.
É, assim, possível afirmar, mediante o relato dos testemunhos descritos, que quanto maior for a espiritualidade, mais facilmente se ultrapassa o sofrimento. Pode-se também acrescentar, com inegável certeza, de que quanto mais fortes forem os laços estabelecidos, maior será o sofrimento perante uma desvinculação.
Apesar das incontáveis descobertas científicas e tecnológicas, a morte permanece um enigma, que o Homem se vê incapaz de desvendar ou de sequer vencer. Quando muito consegue adiar esse momento fatídico.
Isto remete para uma questão muito mais complexa, que faz com que a vivência da morte, apesar de variar de cultura para cultura, de família para família e até mesmo de pessoa para pessoa, seja considerada, por grande parte da humanidade, como um tabu, algo de temível.
Biologicamente, a morte é o término de todas as funções vitais. Contudo, sob uma óptica social, cultural e ainda psicológica, o Homem possui faculdades cognitivas que lhe permitem entender a inevitabilidade deste estado e, por consequência, de o temer.
Esse receio resulta de um tabu social, porquanto se existisse uma maior proximidade com a própria ideia de morte e com o lado espiritual da vida, provavelmente esta não seria considerada como algo tão sinistro.
“Estrelas que voam para os céus” traduz uma compilação de testemunhos variados, de pais que perderam os seus filhos das mais diversas formas. Esta é, indubitavelmente, a maior das dores humanas. O suceder de um pai a um filho, é encarado como antinatural. Quase como se fosse um ultraje à vida, a planta poder sobreviver à semente que gerou.
Apesar de haver uma certa universalidade no processo de luto de cada um, este é, no entanto, marcado pela maneira como cada pessoa, dentro de uma certa vivência cultural e espiritual, o experimenta na sua individualidade. Ou seja, cada ser humano deve ser entendido na sua necessidade pessoal, com as suas reacções – fisiológicas, cognitivas, emocionais e comportamentais – e características próprias.
Como análise geral aos depoimentos insertos na obra atrás referida, sobressaem alguns factos comuns à maioria dos progenitores.
Imediatamente a seguir à perda, estes parecem entrar numa espécie de estado de entorpecimento, caracterizado por uma dolorosa angústia e a consequente negação da realidade consumada. Depois, constata-se o anseio e a busca em torno da figura perdida. Tal facto é materializado através de impressões sensoriais e ainda na interpretação de sinais, identificados como vestígios da uma presença etérea. Numa fase posterior, a cruel realidade impõe-se finalmente. O desespero e a desorganização surgem perante as exigências do quotidiano. A raiva e a culpa afiguram-se, então, mais intensamente. Há uma procura de responsabilização pela perda sofrida e surge a impotência de não conseguir recuperar o ente querido. A par com todos estes sintomas nasce a incredulidade. Porque permitiu Deus o acontecido? Perante o mutismo dos céus irrompe a revolta e extravio da fé.
Para melhor aceitar os desígnios de Deus, é preciso buscar a força e a confiança abalada nas lembranças e nos exemplos de vida daqueles que partiram. São essas estrelas em voo pelos céus, a guiar o caminho daqueles que um dia os aninharam ternamente nos braços e lhe falaram dos anjos, com quem eles agora brincam de mãos dadas, pelo maravilhoso jardim de Deus. É essa certeza a dar alento àqueles que permanecem deste lado da vida, à espera do reencontro com os seres especiais, os quais farão indefinidamente parte de si. Só através deste pensamento é possível encontrar um pouco do equilíbrio perdido.
Após a atenta leitura desta obra, outro dos aspectos apreendidos, incide sobre a questão do apoio psicológico e emocional. A pessoa que perde um filho, muitas vezes, não encontra espaço para falar da sua mágoa com quem socialmente se cruza no dia-a-dia. Identicamente, os que lhe são próximos podem não oferecer a ajuda necessária, por julgarem que, para respeitar a dor do enlutado, não devem mencionar o assunto da morte. Com frequência, essa incapacidade de falar com quem perdeu um filho, tem como origem a própria angústia diante do tema.
Segundo as declarações de alguns pais, verifica-se que, negar ou reprimir os sentimentos inerentes à perda, intensifica e prolonga o sofrimento. Por isso, acham que conversar sobre o que se sente, ajuda.
É fundamental não erguer muros em redor de si mesmos e não se afastarem dos outros por medo de se ferirem. Se os demais não oferecem ajuda, devem ser os pais a procurá-la, porquanto, a partilha de emoções em grupos de discussão, faculta a descoberta de soluções para a apatia e para a desordem emocional, que assinalam este processo.
Surge com insistência a questão: “Depois do vazio, que sentido faz ainda a vida, se não houver uma âncora a que nos agarremos?”. E é neste contexto que surge precisamente a associação de pais em luto “A nossa âncora”.
É este o elemento unificador de todas as histórias de perda. É sob a égide desta associação que convergem todas as lágrimas de desespero, todos os olhares doloridos, todos os abraços silenciosos, todas as palavras vãs… É aqui que as lágrimas, os olhares e os abraços se unificam e se abrem à doçura da esperança!
Falar do autor de “Estrelas que voam para os céus”, remete para um pai cuja perda da filha marcou no mais profundo da sua alma. O Joaquim Santos fez desta penosa experiência uma bandeira de luta, que diariamente empunha, com toda a força de que é capaz, sob o olhar protector da sua pequenina Eduarda, sempre vigilante nos céus, onde agora habita.
O Joaquim teve a coragem de reunir nesta obra, o seu testemunho e o de outros pais, unidos por um acontecimento comum, que foi a perda dos filhos, e de fazer destes depoimentos, uma âncora pejada pela fulgurante chama do amor. Deste modo, todos aqueles que passaram ou venham a passar pela dura prova de sobreviverem à morte de um filho, podem sentir nas páginas deste livro um porto seguro, um abrigo temporário até lhes ser permitido transpor a frágil fronteira, que delimita a vida da morte.
Como escreve Rita Ferro, no prefácio da obra, “Se a morte (…), é o esquecimento, então os vossos filhos não morreram. Nunca estiveram tão vivos, tão próximos, tão dentro de vós.”. O Joaquim consegue verdadeiramente, através das lembranças de todos os pais, trazer até junto de nós, a presença dos seus filhos. Estes permanecem vivos, apenas habitam num outro lugar, longe da terra…
Assim, quando nas noites preenchidas pelo negrume da escuridão, eu erguer os olhos para o céu e o ver envolto por um surpreendente manto de estrelas a chamejar, vou saber que cada um destes astros pequeninos tem nome de gente… "
texto de Lurdes Breda
sábado, 2 de fevereiro de 2008
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6 comentários:
Olá Joaquim!
Em 1º lugar muito parabéns pela sua iniciativa de editar um livro que espero ler dentro em breve.
Muito obrigada e agradeço o seu convite para ser leitora assidua do blog da sua Eduardinha.
Ja divulguei no meu blog e irei divulgá-lo a amigas e no blog da minha neta.
Bom fim de semana
Boa tarde Joaquim!
Já divulguei o blog da Eduardinha e o lançamento do seu livro no meu blog.
Tão linda a Eduardinha!
Desculpe a pergunta de que faleceu ela?
Também me deram o endereço de um blog do Sebastian que faleceu com 5 anos.
http://meusebastian.blogspot.com
Susana
Joaquim, o blog está lindo e o brilho dessa Estrelinha invade-nos a alma e chega-nos ao coração. Passarei por cá muitas mais vezes.
A partir de hoje estendo-te a mão.
Um abraço.
Vera Carvalho
Sr. Joaquim, haverá sempre pessoas que distinguiremos, e eu, mesmo sem o querer fazer, distingui-o, de uma forma muito especial... :) Quero agradecer muito o livro, que anseio muito ler (talvez ainda o leia bem antes dos estudos para os exames xD), e já percebi que é um livro carregado de dor, saudade, mas para mim, um rasto de autêntica esperança, espero.
Agradeço-lhe tudo e, sobretudo, a sua simpatia e força que me deu!
Bjnhu*, Rita.
Ah, já me esquecia de lhe desejar a maior das sortes que sei que vai ter, e muito sucesso ;) E espero o lançamento do próximo livro, onde faço questão de estar presente :D
óla Joaquim o céu está rico com tantas estrelinhas que brilham,e nos vão iluminando os nossos caminhos,a estrelinha Eduarda não está sozinha,estará a brincar junto a muitas estrelas.....a minha é o Rui Pedro.
necessario verificar:)
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